Nós / Us (2019)
No dia de seu aniversário, uma menina passeia com os país por um parque que
fica próximo ao mar. Entediada ou levemente curiosa, a menina aproveita-se de
um momento em que a mãe teve de sair e vai perambulando pelo lugar, até se ver
em uma casa de espelhos. Naquele lugar ela se encontra com algo que vai marcar
sua vida para sempre.
Muitos anos se passam e Adelaide e Gabe estão levando os filhos para a
casa de praia, afim de passarem o final de semana juntos com uma outra família
amiga. Mal poderiam imaginar que essas simples férias poderiam levar a uma
situação bizarra, situação essa curiosamente relacionada com os eventos de
alguns anos.
Fui assistir Nós sem nenhuma informação do tema do filme e acho que você
deveria fazer o mesmo. Claro, vi algumas divulgações mas, fora isso, nenhum
simples comentário ou spoiler chegou até mim. Isso foi bom porque me colocou em
uma posição de assistir ao filme sem ter muito certeza do que estava prestes a
ver.
Fiquei hipnotizada pela história desde a primeira cena. A direção, a história e
a trilha sonora (que alterna momentos clássicos com canções populares)
são dignas de todos os elogios possíveis. Você quer saber o que está
acontecendo ali e o que tudo isso significa - mas a resposta para isso pode de
deixar ainda mais confuso do que você estava no começo.
Jordan Peele apresenta em Us (Nós, em português) uma
história que pode ter interpretações sociológicas, filosóficas e psicológicas. É
um filme com muitas camadas e com muitas cenas que parecem carregadas de
simbolismos e pistas para o espectador, tudo isso ao mesmo tempo em que somos
imersos naquela tensão que os protagonistas sentem quando cópias de si mesmos
aparecem em sua casa.
A questão do duplo não é exatamente nova nem no cinema e nem na literatura mas,
aqui, não há uma explicação fácil para isso. O que significa o aparecimento
dessas pessoas de vermelho com uma tesoura na mão? O que eles são, o que
querem? "Somos americanos", responde a mulher de vermelho que
se parece com Adelaine. Em outros momentos, ela refere-se a si mesma como
sombra ou chama as pessoas de vermelho de "acorrentados".
Ao invés de nos dar apenas uma resposta Peele nos dá várias. A coerência
interna do filme pode até apontar para uma origem específica, mas isso não
significa que o filme se esgote nela. Na verdade, ele parte desse pressuposto
supostamente fantasioso para lidar com questões que podem ser bem complexas,
fantasiosas ou não.
Assisti a Nós por duas vezes no cinema e, ainda agora, percebo que há
muitos detalhes do filme esperando para serem percebidos nas próximas vezes em
que assistir. Eu, particularmente, tenho uma predileção por aspectos
psicológicos nesse tipo de história, o duplo sombrio e maldoso como um aspecto
indesejado da nossa própria mente. Nós o deixamos longe da superfície por tanto
tempo que, quando ele por fim escapa, se torna incontrolável e pronto para nos
destruir.
Nesse sentido, não pude deixar de lembrar de Cisne Negro enquanto assistia 'Nós'.
Principalmente na segunda vez, quando a história já estava contada para mim e
pude apreciar os detalhes, senti que Adelaine tem um pouco de Nina, na medida
em que vai, ao longo do filme, passando por uma espécie de transformação,
tendo, inclusive, seu ápice em uma espécie de dança. Por essa visão, penso que
o Nós do título diz muito mais a respeito de Adelaide que de sua
família.
Mesmo que eu esteja certa e o título diga respeito a personagem de Lupita
Nyong'o (maravilhosa!), a participação de sua família na história apenas
acrescenta a trama. Em alguns desses momentos o filme flerta com a comédia,
algo que já tínhamos visto em Corra! nas interações entre Chris e seu
amigo. Há também algumas cenas que tem muito do gênero de ação mas, não se
engane, ainda estamos em um filme de terror. E um muito bem escrito e dirigido,
por sinal - as comparações com Hitchcock que Peele tem recebido são reflexo
disso.
Gosto muito de Gabe e Zora mas Jason, o filho mais jovens, é um dos
personagens mais complexos depois de Adelaide. O tipo de relação que ele
desenvolve com o seu duplo e diferente dos demais e, além disso, apesar da
pouca idade, Jason é muito observador e, em certa cena do filme, sua reação
representa justamente aquela que o espectador tem assistindo a história.
Indico Nós para que gostam de histórias de suspense e terror, mas sem
clichês. Vi gente reclamando de supostos "furos" do roteiro ou do
terceiro ato (que explica demais), ou do pequeno twist do final. Acho que as
pessoas estão tão acostumadas com filmes que explicam tudo que, quando isso não
ocorre, chamam de furos. Dizer que o filme se explica demais também me parece
um pouco bobo, como se a pessoa se limitasse a acreditar em tudo o que os
personagens disseram ou falaram sobre o que estava acontecendo.
Quanto ao twist, ele é sensacional e um dos motivos pelo qual tive que
ver esse filme outra vez. Ao invés de explicar a história, ele deixa tudo ainda
mais complexo ao lançar na nossa cara algo que estava ali o tempo todo e que preferimos
não enxergar. Qualquer teoria que você possa ter sobre esse filme apenas se
complica quando vem a virada do final - a sensação é que estamos participando
de um truque de mágica, como aqueles que Jason vive fazendo ao longo da
história: ficamos surpresos mas ao mesmo tempo confusos, como se tivéssemos
perdido algo.
Nota 9,5 - o meio ponto é por puro capricho.
Vocês precisam assistir Nós.
Olá, seja bem-vindo!
Pode falar o que quiser do filme, livro ou texto - só peço que tome cuidado para não ofender os outros leitores do blog. Nada contra palavrões mas também não vamos exagerar, ok?
Obrigada!