Nova Jaguaruara (Mauro Lopes) é uma Derry da Caatinga |Resenha
Uma
cidadezinha no interior do Ceará, Nova Jaguaruara parece ser a típica cidade do
interior, daqueles que tem como principal ponto de referência a igreja e a
praça principal. No entanto, algo se esconde nas sombras deste lugar, um mal
que se revela todos os dias através de um estranho fenômeno: a meia noite, há
mais de 100 anos, todas as luzes se apagam por cerca de um minuto, sem qualquer
explicação racional para o fato.
Partindo
dessa premissa a história de Nova Jaguaruara se desenvolve em três frentes. A
primeira delas conta a história de Vicente, um geógrafo que vai até Nova
Jaguaruara com sua equipe para avaliar a possibilidade de instalação de equipamentos
que captam energia eólica na cidade. A esperança é que essa energia faça com
que as constantes quedas terminem mas, assim que Vicente, Rose, Maria, Felipe e
André chegam ao local, percebem que essa não é uma missão tão simples. As
pessoas estão meio ressabiadas com a presença deles ali – duas delas chegam a
aconselhar que eles não cheguem perto de uma igreja abandonada que fica a
alguns quilômetros da cidade.
A
segunda subtrama conta a história de Bonifácio, uma espécie de homem santo que
nasceu nas redondezas de Jaguaruara há alguns anos (o livro não diz quantos,
mas deduz-se que sejam mais de cem). Bonifácio tem uma história insólita desde
seu nascimento, quando todos relatam terem sentido uma indescritível sensação
de bem estar. Conforme cresce, todos vão percebendo que Bonifácio não é uma
criança comum, ele tem um dom de lidar com pessoas e animais feridos que logo
se mostra como uma verdadeira capacidade de cura, que ele reluta, mas acaba
usando para curar as pessoas da região.
Curiosamente,
a terceira história não se passa em Nova Jaguaruara mas sim em Fortaleza, onde
a infeliz professora Raquel, tem que lidar com o possível caso de maus-tratos
de um de seus alunos favoritos. O que essas três histórias tem em comum é algo
que só vamos conforme o livro vai transcorrendo – felizmente todas as subtramas
são igualmente interessantes, então não fica chato acompanhar.
Vejo
Nova Jaguaruara como uma espécie de Derry da Caatinga, uma cidade onde o mal parece
se refugiar. Ao contrário de Derry, porém, aqui o mal não cai do céu e nem
parece estar em toda parte. Pelo contrário, prefere se isolar em um único ponto,
a igrejinha que fica a 20 km de Nova Jaguaruara. É por aquelas bandas que são
vistos pela ultima vez os diversos desaparecidos que a cidade possui, pessoas
que sumiram sem deixar vestígio e cujos rostos decoram o quadro de aviso da
nova capela no interior da cidade. Para saber o que aconteceu e o que significa
aquele apagão de luzes todas as noites, deve-se acompanhar a história, que se
revela aos pouco.
“Esses lugares são cercados, isolados, esquecidos. São apagados dos mapas! Podem procurar, nem nos mapas ou em imagens de satélite eles são encontrados. Ninguém entende como ou por que, mas é como se essas entidades tomassem posse de um local, um terreno, uma propriedade (...) Por sorte, as pessoas acreditam menos nessas coisas a cada dia e essa é a única forma de estarem verdadeiramente a salvo”.
Talvez
por ser uma história independente, o ebook tem alguns erros, tanto de gramática
quanto de digitação. Algumas cenas também são escritas de uma forma meio
truncada ou com pontos de vista que não fazem muito sentido (é como se o
narrador em terceira pessoa pudesse, de relance, ler o pensamento de um ou
outro personagem). Tudo isso desanima um pouco, principalmente no começo, mas a
trama é interessante e, por isso, dá para relevar esses detalhes e prosseguir
com a leitura.
Li
essa história praticamente em um dia, principalmente porque não via a hora de saber
o que iria acontecer com os personagens, qual a história da cidade e como tudo
estava relacionado. Mauro Lopes criou em Nova Jaguaruara um terror de primeira
qualidade, com pontos que pareciam retirados de filmes ou livros da cultura
popular mas muitos outros que eram 100% criatividade do autor. Achei a
caracterização do lugar tão boa que imaginei os personagens falando com sotaque
do Ceará. É sensacional ver um autor de um gênero tão pouco explorado no Brasil
quanto o terror, explorando os elementos brasileiros de sua história.
Meus personagens favoritos são Bonifácio, o homem santo que
quer ajudar até mesmo aqueles que não querem ser ajudados, e Raquel, a
professora que tem a vida preenchida por junky food e televisão até sentir a
necessidade de ajudar um aluno. Raquel tem uma relação distante da mãe e
carrega um pouco de mágoa do pai – aos poucos vamos sabendo o porquê. Mas
Raquel também tem algo em comum com Nova Jaguaruara, algo que a liga não só ao
aluno que quer ajudar mas também a Bonifácio. Essa é, talvez, a personagem que
mais de desenvolve na trama, passando de um papel passivo na vida para a ação.
“Você não sabe o quanto é forte, Bonifácio. Não deixe o medo te enfraquecer. É só o que ele faz”
Por mais que tenha algumas ressalvas quanto a esse livro, fiquei
surpreendida com essa história e com a forma como o livro conseguiu me prender.
Penso que algumas situações poderiam ser melhor trabalhadas, principalmente a
influência que as pessoas da cidade recebem do que quer que haja na igreja ‘assombrada’.
Isso teria sido fundamental para entendermos alguns comportamentos durante a
história, além de favorecer para que o final ficasse um pouco mais verossímil. Há
outros pontos que acho que poderiam ter melhor atenção do autor, principalmente
aqueles que estabelecem ligações entre personagens de diferentes núcleos.
São detalhezinhos como esse que tornam um pouco difícil dar
uma nota máxima para Nova Jaguaruara. Acredito que boa parte desses pontos que
citei se devem ao fato desse ser o primeiro livro do autor, razão pela qual
pretendo acompanhar seus próximos lançamentos – Mauro Lopes é um autor que tem
muito a crescer ainda.
No quesito criatividade e emoção esse livro é nota 10 mas,
por detalhezinhos aqui e ali dei nota 8,5 – recomendo
demais esse livro, mesmo com essas ressalvas.
P.S.: Nova Jaguaruara ficou em segundo lugar na segunda edição do Prêmio Kindle, descobri depois. Sério, leiam esse livro.
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