IT (A Coisa) - Stephen King

sexta-feira, abril 14, 2017 0 Comments A+ a-


Bem vindo a Derry! 

   Como destruir algo que a encarnação dos pesadelos de cada pessoa?  IT, livro escrito por Stephen King na década de 80, conta a história de 7 amigos que, um dia, 27 anos atrás, tentaram destruir essa "Coisa". Muitos anos se passaram e todos seguiram com suas vidas, ficaram mais velhos, casaram-se. Uma noite, porém, todos recebem a mesma ligação: devem voltar a Derry. A Coisa havia retornado
   Um calhamaço de 1100 páginas contando a história de um ser assustador e de toda uma cidade que foi construída praticamente em cima do local onde esse ser vivia. Uma história que mescla tanto a infância quanto a vida adulta dos personagens e faz isso de forma que as duas histórias - a do passado e a do presente - terminem quase ao mesmo tempo no livro. Um mostra do ego de Stephen King, uma ode a infância e aos dias que não voltam mais. Há tanta coisa a ser dita sobre IT, mas vou estruturar essa resenha escrevendo sobre cada uma das cinco partes que compõe a história e seguir a partir daí. Para quem quiser saber comentários mais detalhados, no Tumblr do blog há um diário de leitura do livro. 
   A primeira parte é bem curta, apenas nos apresenta alguns crimes ocorridos em Derry na década de 80 e os telefonemas que esses amigos recebem. Todos os crimes parecem estar de alguma forma ligados já que, em todos eles, há sempre um palhaço, que se apresenta como Pennywise, segurando um punhado de balões. Os crimes motivaram esses telefonemas, amigos são lembrados de promessas feitas quando tinham 11 anos e (quase) todos retornam a Derry. Nesse primeiro tempo já há a alternância entre o passado e o presente dos personagens e, quando vi a parte da infância, foi impossível não lembrar de Stranger Things. Há algo nessa coisa de crianças saindo perseguindo monstros que me lembra essa série mas a atmosfera nostálgica a verdadeira razão pela qual isso me ocorreu.  O próprio King comentou sobre a familiaridade das séries com suas obras, então acho que não estou tão maluca ao fazer essa comparação. 
   Como ocorre em O Iluminado, também de King, aqui o mal não está em pessoas ou em um contexto mas sim na própria Derry. Como no hotel Overlook, as coisas estranhas vem acontecendo nessa cidade há muito tempo e o mal parece ter se entranhado por ali desde a sua fundação. Não é só uma rua, não é só uma casa - toda a Derry parece estar amaldiçoada e corrompida e a razão tem tudo a ver com o palhaço Pennywise, com A Coisa. 
   A parte 2 do livro se concentra no início de verão de 58, mostrando como os 7 se conheceram e as coisas assustadoras que viram na época. Bill Gago, o líder do grupo, é um garoto triste que perdeu o irmãozinho de repente, uma história meio esquisita que destruiu a sua família e que ele não entende direito. Eddie é o amigo asmático de Bill e o vê como uma espécie de herói, alguém quem ele gostaria de ser mas que não pode, devido as doenças (reais ou imaginárias?) que sua mãe diz que ele tem. Richie, o boca de lixo, é irreverente, bem humorado e chega a perder a mão algumas vezes, por sempre querer fazer piada de tudo e de todos (sem filtros). 
Magda PROski

   Há também Ben, um menino gordo e sozinho, que encontra com Eddie e Bill por acaso, quando estava fugindo de meninos chamados Henry, Arroto e Victor pelo local conhecido como Barrens (uma espécie de matagal de Derry, onde se passa boa parte da história). A partir daí Ben também faz parte do grupo, conhece Richie e Stan, um judeu quietinho e um tanto misterioso. Bev também se junta ao grupo na segunda parte, uma menina linda, excluída pelas outras garotas da sua idade por morar na parte pobre da cidade. Todos os meninos são um tanto apaixonados por Beverly (Ben mais do que todos) mas, naquele verão, Bervely se apaixona totalmente por Bill. 
   Embora Mike, praticamente o único garoto negro que vive na cidade, seja citado nessa segunda parte e embora seja ele que tenha feito todos aqueles telefonemas anos depois, ele não se reúne ao grupo naquele início. Talvez tenha sido uma estratégia do autor para prolongar a história? Não é como se IT precisasse de algo assim. De qualquer forma, a forma como Mike chegou ao grupo, durante a "apocalíptica guerra de pedras" que ocorre na parte 4, é um dos melhores momentos do livro. 
   Esse é o terceiro livro que leio desse autor e já consigo identificar alguns elementos padrões em sua história. O primeiro é um toque de inacreditável que sempre permeia a suas histórias, alguma situação tão absurda e fantástica que acontece e faz com que o leitor tenha que abandonar completamente a voz da razão para comprar aquilo que está sendo escrito. Em IT esse momento foi quando Bill e Richie visitam uma casa abandonada. Já estava começando a comprar a história de que A Coisa é uma criatura sobre-humana e assustadora mas como levar a sério um monstro que espirra com pó de mico? Nas mais de 1000 páginas que compõe essa história acabamos percebendo que esse elemento infantil é proposital, que não é a toa que tenham sido 7 crianças a desafiar "A Coisa" etc. mas, como uma pessoa que já leu uma história de King sobre uma máquina de passar assassina, posso afirmar que esses momentos bizarros e estranhos são a cara dele. 
   O segundo elemento/assinatura do autor que reconheço nessa obra e nas outras dele que li é que, por mais que sejam histórias de medo e horror, há sempre algum elemento de tristeza, pesar ou melancolia na trama. No caso de IT esse sentimento é mais uma saudade que permeia as frases e momentos do passado e presente dos personagens. Ler Stephen King para mim é sempre uma mistura de ficar com medo, tentar superar algumas passagens e me emocionar em outras. Tem algo triste nesse autor e isso me toca profundamente - não é a toa que comecei e terminei esse livro com lágrimas nos olhos. 
   A terceira parte, com os amigos já adultos e reunidos, é a que menos gosto. A figura dA Coisa só funciona, só faz sentido para mim quando coloquei nela um olhar de criança e quando li sob o ponto de vista de crianças. Quando a narrativa foca em adultos tanto o personagem quanto a trama perdem a força. Não por acaso, foi nesse momento, entre a página 400 4 a 600 do livro, que comecei a achar Pennywise um pouco sem graça e repetitivo. Não dá para ter medo de um monstro que você vê toda hora. 
   Felizmente, a quarta parte volta a se focar nos personagens quando crianças, e o livro engrena de novo. Gosto muito das cenas envolvendo a rivalidade entre o grupo de Henry Bowers e o grupo de Bill Gago. Bowers é o único antagonista humano dos meninos que vemos e acompanhamos de perto e da para ver sua loucura aumentando ao longo das páginas. Mas um pouco dessa loucura é um pouco influência do pai de Henry e, claro, dA Coisa. 
   Nesse ponto a figura dA Coisa acaba se tornando a figura do mal encarnado. Em Nárnia, Aslan não criou sua antagonista, a feiticeira essa chega ao mundo criado por ele quase por acaso. Em IT o mesmo acontece, a coisa não foi criada. A cena de sua chegada a Terra, no entanto, me soou um pouco sem graça e forçada. 'Show don't tell' não funciona para King: ele tem que mostrar E falar para não deixar nenhuma dúvida no que ele está mostrando. 
BANKSY

    A última parte da coisa reúne a conclusão do último confronto com A Coisa, 27 anos atrás e o confronto atual. Novos elementos são adicionados à trama e há momentos de tensão quando os amigos fazem o ritual que chamam de Chüd, bem nas profundezas de Derry. 
   Alternando, ora o passado, ora o presente, descobrimos a história como um todo e a natureza dA Coisa e da própria Derry. “A Coisa” é a externalização do mal, se alimenta de crianças, literal e metaforicamente: é a fé das crianças que o monstro  quer, uma fé que é capaz de acreditar em coisas que os adultos esqueceram faz tempo. Derry está contaminada por essa coisa, por esse mal e todos os habitantes parecem ser mais ou menos influenciados por ela (é por isso que tantas coisas ruins acontecem em Derry).
   A razão pela qual A Coisa é desafiada por crianças no início é porque essa fé infantil também pode poder: é necessária certa dose de fé para encarar o mal nos olhos e não enlouquecer de vez e isso falta nos adultos. 27 anos depois, Stan, que sempre foi adulto para sua idade, enlouqueceu só de pensar em encarar "A Coisa" de novo. Para o restante do grupo conseguir derrotar esse tipo de mal seria necessário, de alguma forma, voltar a ser um pouco das crianças que foram 27 anos atrás. 
   Não quero dar Spoiler nesse final e ainda estou refletindo sobre tudo o que esse livro me causou. Há certamente muitos pontos positivos e que dialogaram comigo: no fundo é uma história sobre o bem e o mal, sobre amor, amizade e infância. Há também aquela nostalgia melancólica das histórias do autor, aquela sensação de que as coisas jamais serão como antes. Isso é triste mas também é muito bonito.
   Por trás desse desfecho porém há uma história muito irregular, com páginas demais, pontos de vista demais, personagens demais. King parece ter a necessidade de dar um nome e uma história para cada pessoa que já pisou em Derry e, embora isso possa ser interessante para dar realismo a trama, no decorrer das páginas acaba ficando um pouco cansativo. Além disso, nesse mesmo desfecho que me emocionou há situações que eu simplesmente não posso acreditar que estão ali, como a cena com Beverly e os meninos no meio dos esgotos de Derry há 27 anos. Sério, qual a necessidade daquela cena? 
   Há também a super utilização do monstro. Pennywise sequer aparece no encerramento do livro e a razão disso, imagino, é que nem King se assustava mais com o palhaço macabro. Ao invés disso vemos A Coisa em sua "verdadeira forma", o que foi um recurso interessante para renovar a trama na reta final mas que não seria necessário se houvesse um pouco mais de cuidado na utilização desse antagonista inumano. Em determinado ponto da história Henry Bowers foi mais assustador para mim do que A Coisa e, mesmo que tenha sido mostrado que Bowers foi influenciado pela criatura, achei isso mais uma demonstração do quanto a história acabou sendo prejudicada pela quantidade de páginas
   Apesar de todas as ressalvas acima dei 4 estrelas para IT no Skoob. Como eu disse acima, no fundo essa é uma história sobre a infância, sobre a amizade e eu senti isso em cada um desses momentos entre Bill, Ben, Richie, Eddie, Beverly, Mike e Stan. Cada um desses personagens acabou se tornando meu amigo ao longo desses dois meses de leitura e, por isso, não consigo dar uma nota baixa para esse livro, apesar de todos os problemas que citei. 
   Já estava com saudades dos personagens quando vi que saiu o trailer do filme. Mal vejo a hora de assistir IT nos cinemas, embora tenha consciência de que filme nenhum, por mais longo que seja, seria capaz de retratar tudo o que vemos e sentimos ao ler IT.
   Nota 9 - muito bom. 

|LEIA A SINOPSE DO LIVRO NO SKOOB|

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


Olá, seja bem-vindo!

Pode falar o que quiser do filme, livro ou texto - só peço que tome cuidado para não ofender os outros leitores do blog. Nada contra palavrões mas também não vamos exagerar, ok?

Obrigada!