Nova Jaguaruara (Mauro Lopes) é uma Derry da Caatinga |Resenha

sexta-feira, setembro 21, 2018 0 Comments A+ a-



Uma cidadezinha no interior do Ceará, Nova Jaguaruara parece ser a típica cidade do interior, daqueles que tem como principal ponto de referência a igreja e a praça principal. No entanto, algo se esconde nas sombras deste lugar, um mal que se revela todos os dias através de um estranho fenômeno: a meia noite, há mais de 100 anos, todas as luzes se apagam por cerca de um minuto, sem qualquer explicação racional para o fato.
Partindo dessa premissa a história de Nova Jaguaruara se desenvolve em três frentes. A primeira delas conta a história de Vicente, um geógrafo que vai até Nova Jaguaruara com sua equipe para avaliar a possibilidade de instalação de equipamentos que captam energia eólica na cidade. A esperança é que essa energia faça com que as constantes quedas terminem mas, assim que Vicente, Rose, Maria, Felipe e André chegam ao local, percebem que essa não é uma missão tão simples. As pessoas estão meio ressabiadas com a presença deles ali – duas delas chegam a aconselhar que eles não cheguem perto de uma igreja abandonada que fica a alguns quilômetros da cidade.
A segunda subtrama conta a história de Bonifácio, uma espécie de homem santo que nasceu nas redondezas de Jaguaruara há alguns anos (o livro não diz quantos, mas deduz-se que sejam mais de cem). Bonifácio tem uma história insólita desde seu nascimento, quando todos relatam terem sentido uma indescritível sensação de bem estar. Conforme cresce, todos vão percebendo que Bonifácio não é uma criança comum, ele tem um dom de lidar com pessoas e animais feridos que logo se mostra como uma verdadeira capacidade de cura, que ele reluta, mas acaba usando para curar as pessoas da região.
Curiosamente, a terceira história não se passa em Nova Jaguaruara mas sim em Fortaleza, onde a infeliz professora Raquel, tem que lidar com o possível caso de maus-tratos de um de seus alunos favoritos. O que essas três histórias tem em comum é algo que só vamos conforme o livro vai transcorrendo – felizmente todas as subtramas são igualmente interessantes, então não fica chato acompanhar.
Vejo Nova Jaguaruara como uma espécie de Derry da Caatinga, uma cidade onde o mal parece se refugiar. Ao contrário de Derry, porém, aqui o mal não cai do céu e nem parece estar em toda parte. Pelo contrário, prefere se isolar em um único ponto, a igrejinha que fica a 20 km de Nova Jaguaruara. É por aquelas bandas que são vistos pela ultima vez os diversos desaparecidos que a cidade possui, pessoas que sumiram sem deixar vestígio e cujos rostos decoram o quadro de aviso da nova capela no interior da cidade. Para saber o que aconteceu e o que significa aquele apagão de luzes todas as noites, deve-se acompanhar a história, que se revela aos pouco.

 “Esses lugares são cercados, isolados, esquecidos. São apagados dos mapas! Podem procurar, nem nos mapas ou em imagens de satélite eles são encontrados. Ninguém entende como ou por que, mas é como se essas entidades tomassem posse de um local, um terreno, uma propriedade (...) Por sorte, as pessoas acreditam menos nessas coisas a cada dia e essa é a única forma de estarem verdadeiramente a salvo”.
Talvez por ser uma história independente, o ebook tem alguns erros, tanto de gramática quanto de digitação. Algumas cenas também são escritas de uma forma meio truncada ou com pontos de vista que não fazem muito sentido (é como se o narrador em terceira pessoa pudesse, de relance, ler o pensamento de um ou outro personagem). Tudo isso desanima um pouco, principalmente no começo, mas a trama é interessante e, por isso, dá para relevar esses detalhes e prosseguir com a leitura.
Li essa história praticamente em um dia, principalmente porque não via a hora de saber o que iria acontecer com os personagens, qual a história da cidade e como tudo estava relacionado. Mauro Lopes criou em Nova Jaguaruara um terror de primeira qualidade, com pontos que pareciam retirados de filmes ou livros da cultura popular mas muitos outros que eram 100% criatividade do autor. Achei a caracterização do lugar tão boa que imaginei os personagens falando com sotaque do Ceará. É sensacional ver um autor de um gênero tão pouco explorado no Brasil quanto o terror, explorando os elementos brasileiros de sua história.
        Meus personagens favoritos são Bonifácio, o homem santo que quer ajudar até mesmo aqueles que não querem ser ajudados, e Raquel, a professora que tem a vida preenchida por junky food e televisão até sentir a necessidade de ajudar um aluno. Raquel tem uma relação distante da mãe e carrega um pouco de mágoa do pai – aos poucos vamos sabendo o porquê. Mas Raquel também tem algo em comum com Nova Jaguaruara, algo que a liga não só ao aluno que quer ajudar mas também a Bonifácio. Essa é, talvez, a personagem que mais de desenvolve na trama, passando de um papel passivo na vida para a ação.

“Você não sabe o quanto é forte, Bonifácio. Não deixe o medo te enfraquecer. É só o que ele faz”
        Por mais que tenha algumas ressalvas quanto a esse livro, fiquei surpreendida com essa história e com a forma como o livro conseguiu me prender. Penso que algumas situações poderiam ser melhor trabalhadas, principalmente a influência que as pessoas da cidade recebem do que quer que haja na igreja ‘assombrada’. Isso teria sido fundamental para entendermos alguns comportamentos durante a história, além de favorecer para que o final ficasse um pouco mais verossímil. Há outros pontos que acho que poderiam ter melhor atenção do autor, principalmente aqueles que estabelecem ligações entre personagens de diferentes núcleos.
        São detalhezinhos como esse que tornam um pouco difícil dar uma nota máxima para Nova Jaguaruara. Acredito que boa parte desses pontos que citei se devem ao fato desse ser o primeiro livro do autor, razão pela qual pretendo acompanhar seus próximos lançamentos – Mauro Lopes é um autor que tem muito a crescer ainda.
        No quesito criatividade e emoção esse livro é nota 10 mas, por detalhezinhos aqui e ali dei nota 8,5 – recomendo demais esse livro, mesmo com essas ressalvas.

P.S.: Nova Jaguaruara ficou em segundo lugar na segunda edição do Prêmio Kindle, descobri depois. Sério, leiam esse livro


Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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