Respeitem Milady! (Representação feminina em Os três mosqueteiros)

sexta-feira, janeiro 19, 2018 0 Comments A+ a-


"Meu Deus sou eu e quem ajudar em minha vingança!" 
 Milady, pág 661, Os Três Mosqueteiros

   Como todo livro de Dumas, Os três mosqueteiros também tem personagens interessantes. Já falei um pouco de d'Artangnan na minha resenha do livro mas senti vontade de falar de Milady, a grande vilã de Os três mosqueteiros.  Assim como é dito de Mina em Drácula, também aqui se fala em ao similar ao "mulher com cérebro de homem" utilizado no livro de Bram Stoker. Dumas falam que colocaram "uma alma viril em um corpo franzino e delicado" o que, para a época, talvez seria um elogio.
   O fato é que Milady é uma personagem a quem muitos crimes são atribuídos ao longo da história. Porém, ao longo das quase 800 páginas, Milady fez muito pouco: Conspirar com o cardeal, mas todos conspiravam uns com os outros. Sequestrou determinado personagem, mas também foi sequestrada em determinado ponto da história.
    Poderia ficar parágrafos e parágrafos aqui falando sobre os atos dessa personagem e, tirando duas mortes que lhe foram atribuídas no final e das quais não há desculpas, tudo seria muito justificável. Antes desses homicídios, me parece que o único "pecado" de Milady era agir com obstinação, coragem e inteligência. A personagem também é constantemente comparada a uma leoa ou tigresa, o que fala muito sobre como as mulheres eram vistas naquela época: preferem compará-la a um animal selvagem do que admitir que uma mulher teria tais sentimentos mais mundanos.
   Milady tapeia praticamente todos os homens com que se relaciona no livro, incluindo Athos (o que fez com que o mosqueteiro se tornasse um misógino, mas isso é outra história). E os homens, que não suportam a ideia de serem passados para trás pela astúcia de uma simples mulher, a chamam de demônio, serpente ou dos selvagens felinos que já citei.
Milady em ação no filme "Os Três Mosqueteiros"
   O que Dumas faz, nessa história, é transformar em vilã a mulher que não age de acordo com o que se espera das mulheres de sua época. Milady não é meiga, dócil, ingênua e manipulável, logo, só pode ser vilã. Para deixar ainda mais claro que não podemos sentir nenhuma piedade por essa pessoa "meio felina, meio serpente" o autor se encarrega de, ao longo da história, tirar qualquer humanidade que Milady possa ter: no início do livro comenta-se que ela teria um filho porém essa criança simplesmente para de ser mencionada, como se o fato de ser mãe não combinasse mais com uma personagem tão rebelde e pouco maternal. 
   Ao longo da história, a personagem vai ficando mais e mais cruel e descontrolada, como para justificar uma trapaça que o herói, D'Artangnan faz com ela. Mas, enquanto Milady é punida severamente, tanto D'Artangnan quanto os outros homens da história - incluindo o cardeal e Rochefort - são perdoados com muita facilidade. 
   Isso não é exatamente novo na literatura, nem hoje, nem à época em que o livro foi escrito. Milady tem algo da Lilith dos hebreus, aquela a quem todo mal é atribuído, em comparação com Eva, pura e casta. Mas quem ocuparia o lugar de Eva em Os três Mosqueteiros? Talvez a rainha, pela devoção que os personagens lhe atribuem. Mas a rainha quase não aparece na história, então só ficamos com esse exemplo "falho" de mulher, essa não mulher, na visão do autor. 
   Mesmo sendo tão caricata, Milady acabou se tornando uma das personagens mais interessantes de "Os três mosteiros". Alguns dos capitulos finais se passam sob seu ponto de vista e foi muito divertido ver essa mente "maligna" em ação, trapaceando para se livrar de uma situação aparentemente sem saída. 

   Milady é desprezível e desleal na maioria das vezes mas é impossível não admirar sua coragem e astúcia ao longo da história. Imaginem só uma mulher que, na Paris de 1600 e tantos, consegue ascender social e financeiramente, além de se tornar alguém tão vital ao reino da França, que o cardeal passa a depender dela para ganhar uma guerra? É de se admirar, ao meu ver. 
   Você pode não concordar com tudo o que esta personagem fez ao longo da história, principalmente no final dela. Mas, se os tempos fossem outros, essa poderia ter sido uma heroína ainda melhor do que os três mosqueteiros, daquelas que conseguem se livrar da maioria das situações por meio das palavras. 
    Mas, já que ficamos com essa personagem tão absurdamente má que se torna impossível de gostar, ao menos respeitemos Milady, uma personagem que se tornou cada vez mais má para que os homens de capa e espada pudessem parecer cada vez melhores.

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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