As perguntas - Antonio Xerxenesky (Resenha)
Quando tinha mais ou menos 15 anos, meu professor de Crisma fez um "experimento". Apagou a luz da sala onde fazíamos as aulas, deixou só velas acesas. Em seguida começou a tocar uma especie de sino e pediu para que respirássemos fundo, fechando os olhos e buscando relaxar. Ele então pediu que abríssemos os olhos e tirou da mochila que estava ao chão, uma garrafa com o seguinte rótulo: Água com limão. Foi passando de pessoa em pessoa, pedindo para que tentássemos sentir o que estava na água.
Quando o professor acendeu as luzes e perguntou quem tinha sentido o cheiro do limão na água, só uma pessoa não levantou a mão. Uma colega até mesmo reclamou por ele ter aberto a garrafa ali, disse que a sala estava agora toda cheirando limão. Meu professor então bebeu o líquido da garrafa e esclareceu que aquilo era simplesmente água. Havíamos sido condicionados a acreditar que havia limão ali.
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Essa pequena história aconteceu comigo, de verdade, e está aqui nessa resenha só para mostrar como eu sou uma pessoa sugestionável. Eu recebi "As perguntas" já interessada em ler o livro. A sinopse dava a entender que poderia ser algo relacionando uma seita/culto e um distúrbio chamado Paralisia de Sono (que é quando você vê umas sombras ou coisas assustadoras quando acorda durante a noite), que é uma das coisas mais loucas e assustadoras que eu já ouvi falar. Mês passado assisti a um documentário chamado "The Nightmare" (O pesadelo - tem na Netflix) e fiquei tão apavorada com os relatos reais das pessoas que fiquei dias só conseguindo dormir com a tv ligada, assistindo desenho animado. Ou seja: estava com medo antes mesmo de pegar o livro.
A história é dividida, além de um pequeno prólogo, em duas partes: Dia e Noite. A parte intitulada dia é narrada em uma terceira pessoa muito bem formulada que ora de afasta ora se aproxima da mente e dos pensamentos da personagem principal. Só esse primeiro contato com a escrita do autor já me encantou a ponto de ler outro livro dele, mas a trama é tão boa quanto a forma como foi escrita.
Na primeira parte de "As perguntas" conhecemos a história de Alina, uma jovem de quase trinta anos que tem (ou tinha?) um distúrbio chamado paralisia do sono. Alina acredita que todas as sombras e imagens que vê são fruto da sua imaginação mas uma simples ida a delegacia acaba desencadeando uma série de eventos que a faz questionar tudo isso.
Nessa primeira parte há um clima de suspense, eu lia como se estivesse prestes a descobrir alguma coisa. Ao mesmo tempo, há também algumas quebras de tensão que mostram a rotina da personagem no trabalho ou com os amigos. Esses momentos são importantes também, para conhecermos um pouco mais sobre a protagonista da história, fazer com que ela se torne real para o leitor.
Para trazer Alina para a realidade Xerxenesky fala sobre suas dificuldades em acordar de manhã, seu trabalho tedioso, seu curso universitário obscuro, seu interesse em filmes de terror. Uma pessoa não necessariamente feliz (talvez até mesmo infeliz) que passou a questionar toda a sua vida após um acontecimento marcante no ano anterior.
Alina é muito plausível, muito real - fiquei com vontade de ser amiga dela, nem que seja para que ela me indicasse uns filmes legais de terror.
Ter um protagonista com o qual você consegue se relacionar é algo importante em histórias do gênero. Não que seja absolutamente necessário mas, quando você entende o protagonista, você começa a entender também o porquê de suas atitudes e até mesmo se colocar na pele dele. Me identifiquei bastante com algumas reflexões da protagonista durante a trama, principalmente as relacionadas a nossa geração, sobre o quanto somos criticados pelas pessoas por não estarmos satisfeitos com um emprego medíocre, acusados de só buscar o que é gratificante. Era como se Alina estivesse falando comigo sobre todas essas coisas, ou melhor, muitas vezes era como me olhar no espelho mesmo.
Como eu já disse no começo, iniciei o livro já meio tensa sobre o que estava por vir. Quando o autor começa a narrar as leituras ocultistas que Alina começou a fazer eu já estava sentindo o medo aumentar mas a menção a um ocultista que via um ser a quem chamava "intérprete sombrio" me deixou apavorada. Não é bom ler esse livro a noite (ou até é, se você gosta desse tipo de sensação).
"O problema com obsessões é que, mesmo quando queremos dar um fim a elas, acabamos nos enredando mais e mais" pág. 44
Por conta de sua ida a delegacia, Alina acaba descobrindo que existe um grupo de pessoas, uma seita chamada Ordem Metafísica Experimental. No começo ela investiga apenas por curiosidade, mas acaba sendo sugada para esse mundo de culto parece, de alguma forma, se relacionar com as sombras que via na infância.
Apesar dos momentos assustadores, o que mais gostei de "As perguntas" foram as discussões internas que a personagem tem acerca da fé, acreditar ou não em algo que não pode ser comprovado empiricamente. Não li muitos livros de terror (vejo mais filmes) mas já percebi que as melhores histórias do gênero são muito mais do que um amontoado de momentos apavorantes. Quando Alina passa a refletir sobre o que lhe acontece, quando põe seu ceticismo à prova da maneira mais assustadora possível e, principalmente, quando questiona tudo o que está acontecendo com ela, é quando "As respostas" fica realmente interessante.
É mais ou menos na metade da trama que a personagem toma uma daquelas decisões que, em filmes de terror, ficaríamos xingando por horas. Como é um livro, conseguimos ver exatamente os caminhos que sua mente percorreu para fazer aquilo, então não é tão frustrante e inverossímil. A atitude que Alina toma por impulso numa noite de sexta-feira, dá origem a parte do livro chamada "Noite". Nesse momento temos uma virada interessante: some a narrativa em terceira pessoa que elogiei no começo do texto e começa uma (igualmente interessante) narrativa em primeira pessoa. Alina passa a contar tudo diretamente.
"É noite, penso, e tenho que reconquistar minha própria história" (pág. 93)
Quando o livro passa para primeira pessoa é quando vemos a personagem mais vulnerável. Como num filme de terror, observamos a protagonista se enredar numa situação perigosa e gritamos mentalmente "saia daí!" mas, ao mesmo tempo, ficamos impressionados com o que está acontecendo, querendo saber mais.
A vulnerabilidade de Alina é tanto pela situação em que se encontra quanto pelos questionamentos que tudo aquilo gera dentro dela. Como cética, não deveria haver nada a temer - mas Alina sente medo mesmo assim. Isso torna "As Perguntas" um livro com muitas reflexões a respeito da religião e das crenças das pessoas. Mesmo em meio às cenas assustadoras envolvendo sombras, a protagonista ainda reflete sobre sua vida em São Paulo e revive algumas lembranças.
"Quando entramos em contato com outros planos de existência, não sabemos quem pode estar nos escutando" (pág. 111)
Como um recorte de um dia na vida da protagonista, temos um livro em um ritmo ágil, com ares cinematográficos. Consegui imaginar algumas cenas tão perfeitamente que é quase uma pena não existir um filme dessa história. As cenas em que Alina é perseguida por uma sombra são tão bem escritas que cheguei a olhar para trás enquanto estava lendo. E o medo de me virar e ver algo também?
Vir Heroicus Sublimis |
Achei o desfecho um pouco decepcionante mas tem tudo a ver com o título do livro. Porque uma história chamada "As perguntas" deveria trazer alguma resposta? Eu sou a primeira a reclamar quando o livro é muito explicadinho mas, ao ler a cena final desse livro, senti falta de maiores explicações. Agora, tendo passado alguns dias que terminei essa história, penso que esse foi o melhor desfecho possível, passível de agradar todos os tipos de público que leem essa história, pessoas sugestionáveis (ou crentes) ou não.
Para quem quer uma boa história ambientada em São Paulo, com elementos de terror e muito bem escrita fica aí a minha indicação. É uma história que funciona também como um discussão entre crentes e céticos: o que é real? O que é condicionado?
Dei nota 8 - um bom livro.
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