"Ninguém nasce herói" - Eric Novello (Resenha)

sábado, julho 01, 2017 0 Comments A+ a-

    
     
   "Isso aí, ninguém nasce herói, se torna". Essa frase veio da professora da escola em que eu trabalho quando viu  o livro que eu carregava pelos corredores. Fiquei pensando no que ela disse e acho que tem tudo a ver com o que o autor quis passar nesse livro.   
    "Ninguém Nasce herói" conta sobre a vida de um grupo de amigos em São Paulo, vivendo em um futuro em que o Brasil se tornou uma espécie de califado Cristão, governado por um líder que se auto intitula como "O Escolhido". No começo esses jovens parecem viver rotinas normais mas, quando a realidade do que estão vivendo se torna mais próxima de suas vidas, tudo muda. E surgem os heróis.     
     Não heróis tipo capa e máscara, das histórias em quadrinhos que o protagonista-narrador, Chuvisco, tanto gosta de ler. Os heróis e heroínas desse livro são pessoas que ainda conseguem fazer o bem e ter empatia e ajudar o próximo, mesmo com toda uma sociedade pregando o contrário. Chuvisco gosta de se imaginar uma espécie de homem de ferro durante os episódios que chama de "Catarse Criativa", quando a sua imaginação toma o controle total sobre a realidade que o cerca. No entanto, ele permanece herói mesmo quando está despido dessa armadura de fantasia, quando ajuda os amigos e até desconhecidos que encontra na rua. Quando se impõe e defende em voz alta aquilo que acredita

 "A verdade é que ninguém nasce herói. Mas isso não nos impede de salvar o mundo de vez em quando."    
    Sobre o protagonista, Chuvisco certamente tem algum tipo de diagnóstico médico que justifique as suas "catarses criativas" mas o autor não nos diz o que é e talvez seja melhor assim, enxergar o personagem sem o peso desse diagnóstico. Chuvisco também tem uma opinião bem critica a respeito da religião e do que está acontecendo atualmente. Ele não se permite ter esperanças mas algumas coisas o fazem acreditar que o futuro poderá ser diferente. Mas, mesmo em meio a esperança, ele ainda teme por sua vida e pela vida de seus amigos. 
     Uma coisa que eu gostei no livro é que o autor faz questão de diferenciar os fanáticos religiosos da religião em si. Apesar do "Escolhido" dizer que segue a palavra de Deus, seus atos são o oposto do que a maioria das religiões cristãs prega, e algumas frases do personagem refletem que essa também é uma opinião de Chuvisco. O momento mais concreto em que essa diferenciação ocorre é quando o personagem encontra Denise, uma jovem cristã, de uma família cristã, mas que não concorda com o que está havendo. Apesar de ser uma ficção, gostei que não generalizaram. 
   O livro é cheio de referências da cultura pop que vão desde os X-men, passando por Freddy Krueger, Stephen King e outros. Gostei de ler e ir tentando identificar, seja nos diálogos ou nas "catarses" do Chuvisco, alguma referência nova.  
   
"...todos vestidos de branco, dando chutes e pontapés na pessoa caída" - Seria a "Guarda Branca inspirada nos Drugues de Laranja Mecânica? 
 
   Acho que é a primeira vez que senti vontade de escrever em um livro. Tanto para grifar frases que achei impactantes quanto para escrever comentários nas bordas, não consegui ler esse livro sem algo para escrever neles em minhas mãos. Para uma pessoa acostumada a interagir muito pouco durante a leitura (não sou de marcar quase nada) é uma novidade e tanto, além de um reflexo do quanto fiquei envolvida com essa história.   
    Falando em diálogo, esse é um dos pontos principais do livro. A conversa entre os amigos ocorre com uma naturalidade que é muito gostosa de ler - é como se estivéssemos vendo amigos nossos mesmo conversando entre si. Talvez por isso as cenas em que todos os cinco (Chuvisco, Cael, Amanda, Pedro e Gabi) interagem estão entre as minhas favoritas da história. Ver o diálogos desses amigos é como assistir a um episódio de Friends. O único personagem do grupo que achei meio chato foi Dudu mas ele não é exatamente parte da turma, então tudo bem. 
   Tenho muita dificuldade em dizer que esse é um livro que se passa no futuro, embora seja o que está escrito na contra-capa. Por mais que a situação toda parece um exercício de quão ruim seria nosso futuro - política e socialmente - se as coisas continuarem do jeito que estão, no geral percebo essa história ocorrendo em um universo paralelo, porque há vários elementos que me ligam ao presente e não ao futuro.    
    Acho que a grande sacada é percebermos que não se passaram muitos anos entre o que estamos vivendo hoje e o futuro em que esse livro ocorre, que não é preciso muito tempo para estarmos vivendo uma distopia como a que vivem os personagens de "Ninguém nasce herói". Como diz o próprio narrador: "A diferença não está no que está no que se vê, está na ausência". Nesse mundo distópico, São Paulo perdeu a sua pluralidade.    
Como imaginei o Símbolo da Guarda Branca 
   Como toda Distopia, a ação demora a começar e no início o leitor mais acompanha as reflexões do personagem-narrador em meio a essa realidade tenebrosa. Mesmo assim, as cenas que contém mais ação real são de tirar o coração da boca, os episódios na passeata e na Galileia são um exemplo. Foi como se eu estivesse assistindo a um filme passar, tamanho o realismo com que imaginei e fui impactada por esses momentos, principalmente o último, que agiu como um divisor de águas para a história: nada seria igual a antes depois daquele momento.    
   Apesar de gostar de vários momentos da história, um dos meus favoritos é quando Pedro e Chuvisco conversam no alto de um prédio, enquanto olham toda a cidade. Ao invés de pedir desculpas ou dizer algo direto sobre um episódio difícil que havia ocorrido recentemente, Pedro conta uma história, um momento de seu passado. Mesmo que a história não tenha nada a ver com os pontos da discussão aquele relato reúne os dois amigos novamente. Foi um momento bem singelo mas e na hora não entendi porque mas me emocionei. O diálogo dos dois nesse momento me lembrou um pouco de Sense8, talvez pela troca de histórias ser um elemento chave nos diálogos dessa série.

 "O vazio que sinto é diferente. Ele é feito da matéria escura do universo"   
    Por mais que a ação não seja o elemento principal da história, no final ela toma conta da trama. Foi uma surpresa atrás da outra nas últimas 80 páginas a maioria apenas mostrando que os medos de Chuvisco não eram tão injustificados assim. Mesmo já esperando algo nesse estilo (distopia nunca termina muito bem), fiquei surpresa com coisas que aconteceram e bem triste também. Não cheguei a chorar mas tive que deixar o livro em um canto e dar uma volta antes de retomar a leitura.    
   Achei o desfecho da história um tanto brusco. Basicamente tudo se fecha no último capítulo e é narrado de uma forma distante pelo protagonista, em um epílogo que avança alguns anos na história. Eu entendo que esse livro seja mais o começo da história desses personagens na luta contra essa ditadura e que muitos anos ainda se passaram depois daquela última cena narrada. Mas levei um susto com esse avanço mesmo assim e, falando dos personagens, fiquei bem triste com a forma como a maioria terminou. Não vou dar spoiler, então  leia o livro para entender melhor sobre o que estou falando.  
  
   "Ninguém Nasce Herói" é para aqueles que gostam de histórias jovens e atuais, com bastante representatividade e bons personagens e diálogos. O livro também tem toques de fantasia/imaginação, graças a Chuvisco, um protagonista peculiar. Recomendo se você é um leitor assim. 

    Nota 8,5 - um bom livro, com ótimos personagens.

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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