Sangue no Olho - Lina Meruane

sexta-feira, março 22, 2019 0 Comments A+ a-


   Um dia como qualquer outro, uma festa no apartamento de uma amiga. Ela abaixa para pegar qualquer coisa que caiu ao chão e, de repente, está lá. Acontece o que ela sempre temeu. Com um sentimento de ódio que vai crescendo cada vez mais, Lina (a protagonista tem o mesmo nome da autora) vê sua visão ser coberta de sangue e, finalmente, escurecer tudo. 
    Sangue no Olho conta a história dessa protagonista que vê-se ficando cega de um dia para o outro. Geralmente, ao narrar histórias de pessoas com deficiência (de nascimento ou adquirida) usa-se muito um tom de superação. Os protagonistas dessas histórias também seguem um padrão, sendo todos muito conformados com a situação que se encontram. Ou então eles estão começam a história muito desgostosos da vida mas conseguem ir adotando uma visão mais positiva. 
   Ao meu ver um grande diferencial desse livro é que foge do senso comum citado no parágrafo anterior. Lina está ficando a cada dia mais cega e debilitada mas isso não faz dela uma pessoa mais gentil ou amável com as pessoas próximas de si. Na verdade a protagonista vai se tornando cada vez mais amarga e um tanto desesperada com a própria situação - desespero esse que leva a um desfecho que é bem chocante.
    O início do livro se passa em Nova York. Ao perceber o sangue cobrindo sua visão, Lina (Lucina) logo marca uma consulta com o médico, pensando que finalmente iria chegar o momento, que iria ter que operar dos olhos e torcer por um milagre. Pensava até mesmo em um transplante, para não ter que imaginar como seria ficar o resto de sua vida daquela forma. 
    A surpresa que teve quando vai se consultar é que o médico, Dr. Leks, não vai operá-la imediatamente como havia prometido. Ele quer esperar um período de um mês para ver (sem trocadilhos) se o sangue sai dos olhos de Lina espontaneamente e, também, para uma série de exames.  
   Lina então resolve ir visitar os país em Santiago. Esse foi um momento que gostei bastante do livro, já que minha última viagem foi justamente para a Capital do Chile. Não fiquei por muito tempo mas foi legal ver a protagonista se referindo a lugares que eu já conhecia e já havia visto. 
   Na casa dos país, Lina continua dando mostras de seu jeito de lidar com a situação. Os país querem que ela opere em Santiago mesmo, com um doutor amigo deles (os país de Lina são médicos) e que tem formação em Harvard. Quanto mais o pai insiste nessa surgia, mais Lina a rejeita. A recusa dela tem muito mais haver com a forma com que o médico de Santiago a tratou quando foi consultar-se, do que com qualquer tipo de critério técnico. Lina confia no dr. Leks, um soviético que sequer se lembra do nome dela durante as consultas. Essa confiança toda me pareceu muito mais um ato de desafio aos pais (estão vendo só em quem eu confio?) do que qualquer outra coisa. 
   Com uma criação dada quase sempre pelo irmão mais velho, Lina cresceu um tanto afastada dos país, sempre médicos muito ocupados. Logo, quando percebe o desespero da mãe com sua situação, Lina se sente desconfortável, como se ela estivesse querendo, com sua atuação de desespero, se retratar de todos os anos de indiferença. 
   Esse é o ponto de vista da narradora e protagonista (o livro é em 1ª pessoa) mas não significa que seja o ponto de vista correto. Lina me pareceu uma pessoa um tanto egoísta, que oscila entre a rebeldia e necessidade de independência e um desejo patológico de ter alguém a sua mercê, para que possa usar como quiser. Alguém dá a entender que se trata de qualquer um, mas Lina quer mesmo que Ignácio, seu namorado, cumpra esse papel de seu salvador, aquele que irá se sacrificar com ela. Ignácio por sua vez, tem uma espécie de vocação para agir conforme os desejos de Lina, o que faz com que ela vá perdendo a falsa objeção que demonstrava em tê-lo como seus olhos o tempo todo. 
   Dizer que gostei desse livro não é o termo correto. Claustrofóbico, Sangue no Olho envolve o leitor no desespero (e certa dose de loucura) da personagem e não solta até a última página. Alguns trechos são particularmente agoniantes, um deles é uma cena em que Lina e o namorado estão de avião voando de volta para Nova York. Foi o momento do livro em que eu percebi que a sanidade estava começando a deixar a mente da protagonista. 
   Indico para os que gostam de livros bem escritos e para quem quer fugir de ler sempre só autores americanos ou ingleses. A escritora chilena parece ter total domínio da sua personagem e de sua história e descreve tudo de forma tão realista que cheguei a me perguntar o quanto de ficção e realidade havia nas páginas. Acho que as fronteiras são tênues - descobri que Lina Meruane, além de ter o mesmo nome que sua personagem protagonista, também possui como tema de doutorado o mesmo que a Lina do livro e carrega a mesma doença que enche os olhos de sangue. Sangue no olho pode não ser uma autobiografia, mas possui vários elementos da biografia da autora. 

   Gostei demais e, ao mesmo tempo, não sei se gostei é a palavra certa para expressar os sentimentos angustiantes dessa leitura. Nem sei se a nota 8 também expressa esses sentimentos corretamente, mas é a nota que eu atribui. 

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Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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