Cloro - Alexandre Vidal Porto

sexta-feira, março 15, 2019 0 Comments A+ a-


*LIVRO CEDIDO PELA EDITORA PARA RESENHA. OPINIÕES INDEPENDENTES. 

   Logo nas primeiras páginas a noticia de que o narrador e protagonista da história está morto. Numa espécie de limbo, Constantino resolve repassar os fatos de sua vida, principalmente as circunstâncias que o levaram até a sua morte precoce, aos 51 anos. Desapegado dos medos e vergonhas que sentia enquanto vivo, ele pode (finalmente) falar de forma livre sobre algo que escondeu durante toda a sua vida, sua homossexualidade. 
    Embora seu conteúdo seja triste, Cloro não foi escrito para fazer o leitor chorar. Talvez o fato de ser narrado por esse personagem que é um defunto-autor dê a trama certo distanciamento, tornando mais fácil acompanhar alguns momentos dessa história. Afinal, tudo o que estamos lendo é passado, a realidade presente é que Tino está morto e, portanto, muito distante de tudo o que passou. 

"Tem gente que passa a vida fugindo de uma coisa sem compreender que não existe fuga possível, que não adianta lutar, que não adianta ter controle. Foi o que aconteceu comigo e, antes que minha memória se apague, preciso entender como gastei a vida".  (pág. 12)
   Uma coisa interessante narrada na história é a forma como a homossexualidade foi revelada ao personagem. Ao ser chamado de "bicha" (ou "viado", não me lembro) por seu colega de turma quando tinha 8 anos, Tino percebe que há algo nele que era diferente das outras pessoas. Como a descoberta veio na forma de xingamento, de injúria, Tino passa a rejeitar aquele termo e tudo o que nele enseja. Ele organiza a sua vida a partir daquele momento, daquela injúria, para não dar razão aos xingamentos, para não ser aquilo que o coleguinha de turma via nele
   Ele se casa aos 21 anos, com Debora, sua namorada da juventude. Pouco tempo depois vem os filhos, um menino e uma menina. De repente a vida de Tino estava perfeita e o destino parecia promissor, aquela palavra esquecida para sempre. Mas a vida não é algo que você se planeja e logo um acontecimento trágico vem atrapalhar aquela vida familiar que Tino usava como escudo. Ele então se vê analisando os desejos que tem desde sempre dentro de si, uma homossexualidade nunca exercitada mas que sempre ficou latente, mesmo quando Tino pensava ter tudo superado. 

"Quanto tempo vou ficar na escuridão? Será que a morte é isso, uma escuridão perpétua dentro da gente, uma tentativa sem fim de entender o que aconteceu na vida? Acho que, aqui, nada de novo surgirá". (pág. 101)
   Cloro é um livro bem curto, suas palavras certeiras e direto ao ponto. Tino tem algumas atitudes um tanto reprováveis ao longo da história mas é difícil julgá-lo, ainda mais sabendo que ele já morreu. E, pior, que viveu uma vida de mentira e segredos, que nunca conseguiu assumir sua homossexualidade, que apenas gastou a vida ao invés de vivê-la - quando começou, de fato, a viver, foi-se. Não dá para censurar Tino, esse personagem que é fruto de uma época mais conservadora, que não tornou fácil a sua vida. Sim, Tino traiu a esposa, mas isso é tão pequeno perto de todas as nuances da história, que acabou sendo deixado como mais um aspecto infeliz de uma vida infeliz. 
   Após concluir a história de Tino, o autor faz alguns capítulos comentando sobre a reação de certos personagens citados na história, algo que achei tanto desnecessário quanto interessante. O capítulo dedicado a Debora, particularmente, foi o que eu mais gostei dessa sessão.. Queria, inclusive, que houvesse mais páginas sobre essa personagem que parece guardar alguns segredos ela mesma. Entendo, porém, que isso seria desviar o foco do tema do livro que é a história de Tino. 

"A vida, para mim, se transformou numa sequência infindável de cenas das quais eu participava sem ter fala." (pág. 135) 
   Nunca tinha lido nada de Alexandre Vidal Porto mas já coloquei Sergio Y. vai a América na minha lista de futuras leituras. Gostei dos temas que o autor apresenta e, mais ainda, gostei da forma com que o autor narra suas histórias e como constrói personagens únicos e cotidianos ao mesmo tempo
   Recomendo Cloro para quem gosta de boas histórias contemporâneas, com bons personagens. A temática é LGBT mas os sentimentos que o livro evoca são universais então seria realmente uma pena se alguém colocasse esse tipo de rótulo no livro e deixasse de lê-lo por isso. 
   Nota 9 - muito bom. 


|SINOPSE|

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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