A assombração da casa da colina - Shirley Jackson

sexta-feira, junho 15, 2018 0 Comments A+ a-

fonte: Biblioteca do Terror 

   Quando um autor que você gosta recomenda um livro, você olha com atenção. Mas e quanto este autor não só recomenda um outro mas também dedica um livro a este? Quando recebi "A incendiária" da Suma e vi a dedicatória que Stephen King fez a Shirley Jackson, soube que precisava conhecer a autora que influenciou um dos meus escritores preferidos.
   Há dois livros dessa autora publicados recentemente mas escolhi Assombração na casa da colina para conhecer a autora. O motivo foi o mais bobo possível: o título me lembrou um filme de terror que assisti quando era pequena (mais a frente, percebi que a história me lembrava de um outro filme, que também vi quando era mais nova, chamado "A casa amaldiçoada"). Além disso, gosto de histórias sobre casas e lugares assombrados.
   Um das coisas que mais me chamou a atenção na escrita de Shirley Jackson é a forma como autora consegue criar todo um ambiente propício e assustador e desenvolver seus personagens de forma muito precisa sem apelar para descrições muito elaboradas de lugares e pessoas. A personalidade das quatro pessoas na casa da colina são delineadas com muita confiança e ao longo do livro de uma forma tão natural que, lá pela metade da história, já pensa que conhece todos os personagens muito bem.
   Assombração da Casa da Colina começa quando esse cientista e investigador de fenômenos paranormais, o Dr. Mortague, convida várias pessoas para passar um tempo nessa casa assombrada, que ele aluga sob a condição de receber também um parente dos donos da casa. Somente duas mulheres - Eleanor e Theodora - aceitam o convite e todos (Dr. Mortague, as mulheres e Luke, o herdeiro ) se mudam para a casa por um tempo.
    É curioso observar que a personagem sobre o qual eu mais tinha dúvidas era justamente a que narrava a história, Eleanor. Há algo que essa personagem esconde, de si e de leitor, algo que já estava nela antes que entrasse na casa mas parece desabrochar enquanto está lá. Nellie é mais do que demonstra mas qual será o seu segredo? E o que a casa quer com ela? São essas algumas das perguntas que me fiz durante esse livro.
   Como toda boa história de terror, essa também é um prato cheio de simbolismos e representações. A cena em que Theodora entra em crise após ver algo em seu quarto e a reação de Eleonor a tudo o que ocorre, são muito interessantes e nos fazem pensar nas camadas que há por trás da tensão entre as duas mulheres.
    Nessa mesma cena, há um momento muito específico em que Eleanor vê as mãos de Theo cheias de sangue e vai limpar, pensando que "nunca sentira uma repulsa incontrolável por ninguém em toda a sua vida". É de se pensar o simbolismo daquelas palavras, principalmente quando relacionamos o fato de que, até o sangue aparecer, as duas mulheres eram bem amigas, talvez até mesmo mais. O que o sangue representa ali? Talvez um lembrete ao subconsciente de Eleanor de que trata-se de outra mulher a pessoa pela qual ela se sentia tão encantada anteriormente. Ou, talvez, o sangue cobrindo as mãos de Theodora fosse uma marca física da transformação que a moça sofreria aos olhos de Eleanor. "Ela é má, é um monstro, é suja", pensa Nellie ao final dessa cena. Depois desse momento, embora volte a ver a amiga de uma forma positiva, o relacionamento entre elas não é mais exatamente como antes, quando chamavam uma a outra de primas. 
   Assim como ocorre em O Iluminado, o comportamento do protagonista vai sendo alterado quanto maior o tempo que ela passa na casa. Seria o objetivo da casa, fazer com que a protagonista se afastasse de todos os outros moradores? Ou será  que Eleanor sempre foi daquela forma e a casa apenas exacerbou seu comportamento? Não sei a resposta a essa pergunta mas, conforme o tempo vai passando na Casa da Colina mais temos contato com esse lado sombrio e um pouco instável da protagonista. É interessante e também um pouco assutador: Eleanor tem tanto medo de perder o controle que ficamos apreensivos sobre o que ela fará quando isso de fato acontecer.
   O livro é tão pequeno (240 páginas) e a narrativa tão interessante que, quando você dá por si, a história já terminou. Acostumada que estou aos calhamaços de Stephen King foi uma grata surpresa ler uma história de suspense/terror que consegue ser instigante, assustadora e psicologicamente rica em tão poucas páginas. Mesmo após terminar ainda fiquei um tempo pensando nos personagens, no desfecho, no que significou aquela experiência toda na casa da colina. Se você é do tipo que gosta de coisas nos mínimos detalhes talvez seja melhor ler o sr. King: Shirley Jackson não vai te explicar o que está acontecendo; ela apenas narra, cena após cena, os acontecimentos que e a reação dos personagens a eles. 
   Eu terminei o livro morrendo de medo mas não sei se é o tipo de terror que vai assustar a qualquer pessoa. É muito mais o suspense e algo psicológico do que cenas com fantasmas propriamente ditas. Para mim esse tipo de terror é mais interessante, mas vi algumas resenhas no Skoob que disseram que o livro não é tão assustador, o que me fez pensar que nem todo mundo vai ficar com tanto livro quanto eu fiquei. 

   Como um livro publicado pela primeira vez em 1959 é interessante ver o quanto a ficção (filmes ou livros) se inspirou em alguns aspectos desse livro. A sensação de familiaridade que eu senti enquanto estava lendo essa história se justificou: descobri que "A casa amaldiçoada", o filme que este livro estava me fazendo lembrar, é uma adaptação de "A assombração da casa da colina", tendo sido lançada em 1999 com Catherine Zeta Jones interpretando Theodora (repare que eu tinha 7 anos quando esse filme foi lançado e eu tinha mais ou menos essa idade quando assisti. Quando falo que filmes de terror me lembram infância é por isso). Há também uma adaptação da década de 60, mas não assisti. 
    Como prévia leitora de King, pude ver alguns ecos desse livro em algumas obras do autor, principalmente em "O iluminado" que, assim como "A assombração da casa da Colina" faz um paralelo entre medo, confinamento e loucura que é muito interessante. Outra coisa interessante que ambos os autores fazem é dar um toque de tristeza em suas histórias - uma boa história de terror tem sempre algum sentimento profundo além do medo. No caso de "...Casa da Colina" os sentimentos de culpa, solidão e não pertencimento que certa personagem sente alcançam o leitor mesmo sem a autora dizer com todas as letras que é isso que a personagem está sentindo. 
   O que mais posso dizer para te convencer esse terror clássico? Chamo de clássico não tanto pela idade mas por entender que as influências que esse livro despertou e sua atemporalidade fazem com que esse mereça tal título. Shirley Jackson já entrou no meu panteão de autores de terror favoritos não só pela qualidade da escrita mas também por desenvolver histórias que nos fazem pensar por horas mesmo depois de ter terminado, afim de criar nossas próprias interpretações do que ocorreu. Os personagens também são ótimos e, por mais que isso já torne esse livro acima da média, ainda há cenas de causar arrepio, mexendo sempre com o psicológico do leitor. 
   Nota 9,5 - esse livro já está na minha lista de favoritos do ano mas vou aguardar uma futura releitura antes de mudar essa nota para 10. 

Nascida no interior de SP, formada em Publicidade e Propaganda, sempre gostou de dar palpites sobre filmes, séries, animes, livros e o que mais assistir/ler. Autora do Blog "Resenhas e Outras Cositas Más" (Miss Carbono) e "Coisas de Karol". No Twitter fala de política, séries e da vida (não necessariamente nessa ordem). Siga: @karolro


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